O Homem Vertical - A política por dentro.

terça-feira, dezembro 27, 2005


Cartaz da Semana de 22 Posted by Picasa

A Moratória Intelectual do Brasil (2003)

Nunca o ser humano esteve tão “barato”. O capitalismo, ao conseguir transformar a vida em capital, fez na mesma mão a maior pechincha da história. Em vez de fim o homem virou meio. Que saudade do feudalismo! Pelo menos havia um homem, na figura de Rei, Papa ou Cardeal que segurava as finalidades da esbórnia exploratória.

Que exagero!, poderia ponderar meu distinto leitor. Que nada! O que impera nesses tempos bicudos do capitalismo total é o absurdo em forma bruta. E o que é absurdo neste sistema não é a exploração (talvez esta seja eterna),mas sim a não humanidade do Senhor. O Capital tornou-se autônomo dos movimentos e vontades humanas. Quando poderíamos imaginar que a geração de emprego fosse colocada em segundo plano para o bem do pagamento de juros? Se alguém falasse isso alguns anos atrás seria decapitado em praça pública!

O Capitalismo (com letra maiúscula mesmo) seduziu o planeta da mesma forma que os portugueses seduziram nossos queridos silvícolas tupis. Chegou aos poucos e foi oferecendo espelhinhos, pentes, facas e ultimamente Prozac e Vigra. O homem se colocou de quatro e esperou feliz da vida o inevitável: CRÁU!

Coitado dos nossos modernistas! Soubessem eles que o banquete antropofágico daria em tamanha diarréia teriam eles mais cuidados com o que colocassem na boca. Mas não quero destruí-los, quero é voltar à fonte! Quero fazer nossa Revolução Caraíba. Vou aprender falar tupi mesmo que não haja mais tupis nesse país. Quero me entregar nú ao mundo sem nenhuma confecção. Se o português chegou num dia de chuva, e vestiu o índio; vou sair de casa só de chapéu porque faz um tempo ótimo no meu coração.
Conclamo todos os Brasileiros (com letra maiúscula mesmo) que se mobilizem. Chega de fórmulas pensadas, chega de autoritarismos da verdade: sejamos novos na medida de nossa atualidade. Chega de submissão, chega! Faço um chamado a todos que declarem a Moratória Intelectual do Brasil!

A Economia é a arte do encontro... (2002)

Não foram poucas as vezes que o título paródia deste artigo foi uma incontestável verdade. Ainda mais num país pouco ortodoxo como o Brasil, que de juízo econômico só se tem notícias nas últimas décadas. Não que juízo seja uma qualidade muito louvável, mas como dizem nestes trópicos; quem tem, tem medo. E juízo é a qualidade de quem tem: medo.

Mas não é prerrogativa, muito menos privilégio brasileiro, a falta de juízo econômico. A maioria das nações já praticou estripulias dignas de picadeiro. O que permite esta salada russa, economicamente falando, é uma simples constatação: os economistas não sabem o que estão falando. O que eles sabem muito bem é do que estão falando: opções, dívida, juros, aquecimento da demanda entre outros tantos objetos econômicos. Mas preste atenção no que falam, você vai perceber que na maioria das vezes é um amontoado de lugares comuns.

Não, não estou achincalhando minha classe. Economista de verdade sabe que o que digo é verdade. Pergunte a um economista por que o preço de um maço de cigarros é R$2,30. Você fatalmente terá um susto com a explicação, ou por sua simplicidade (o preço é este porque custa algo mais algum de lucro), ou por sua incrível complexidade (o preço é a expressão de uma mercadoria sobre outra na razão que uma reconhece na outra trabalho humano abstrato na mesma proporção).

Esta confusão radical sobre coisa aparentemente tão banal quanto o preço de um maço de cigarros gerou toda sorte de criatividade econômica. Já sei!, grita uma economista no fundo da sala, vamos confiscar toda a poupança nacional, assim acabamos com a inflação. Ninguém vai ter dinheiro, quero só ver a inflação subir. Você está maluca!, retruca outro. Vamos atrelar a moeda a um indexador, depois de algum tempo a gente diz que o indexador virou a moeda e que a moeda que existia não existe mais. Simples. Não raro os problemas econômicos de hoje foram as soluções econômicas de ontem.

A Economia é assim mesmo. E os economistas, coitados, ficam de lá pra cá fazendo malabarismos sob o olhar angustiado da sociedade. No entanto não há culpa nesta estória. Os economistas fazem isso por que a sociedade, morta de medo é bom lembrar, outorgou à nossa classe o monopólio do discurso que faz sentido. Qualquer assunto de séria gravidade é levado a sabatina de um economista, ou correlato. O senhor acha que o terrorismo vai interferir na nossa balança comercial?

O Delfin Neto, como economista que é, resumiu de forma fantástica o conceito de crescimento econômico. Crescimento econômico é como estar apaixonado. Você nunca sabe porque está, só sabe que está. Em larga medida é exatamente isso que um economista pretende quando opina sobre o mundo. Quer arranjar uma namorada? Sugiro fortemente que tome um banho e penteie o cabelo. É isso. Nunca espere de um economista um poema secreto de amor, ou um perfume mágico. Sabe porque? Porque não existem perfumes mágicos. O que existe são humanos, economistas ou não.
É meu amigo. Economia é a arte do encontro, embora haja tanto juro pela vida.

Eu juro. Você credita?

A cena é banal: o cidadão vai ao armarinho da esquina, daqueles tradicionais com português no balcão e lápis na orelha, coloca na sacola uma pasta de dente, dois pés de alface, um pão italiano (que a patroa adora) e dispara no peito do dono o infalível “pendura que no fim do mês eu pago”. O dono, escaldado que está, retruca no ato; “só se pagar o que deve do mês passado”. “Mas, veja bem”, rebate nosso herói, “minha filha está doente e você sabe que sempre pago o que devo, menos o mês passado é verdade, mas me ajuda que este mês a corda apertou”. O dono olha de cima a baixo o cidadão; ele sabe que se não deixar pendurar de novo é bem provável que nem venha pagar o que deve do mês passado. Contrariado e cansado concorda, “mas você tem que pagar pelo menos parte agora”, insiste o dono. O cidadão, agora o contrariado, concorda e esvazia a carteira na frente do caixa. Ao sair do armarinho ambos trocam uma inócua despedida, do tipo “vá com Deus”.

O episódio acima encerra boa parte da problemática de uma dívida. Devíamos nos dedicar a entender este toma-lá-dá-cá simplório antes de nos aventurarmos em seara mais complexa. Saber qual a taxa executada no over do Sistema Especial de Liquidação e Custódia do Banco Central indica muito pouco para quem não tem NTN´s, LTN´s ou LFT´s. Claro que o “efeito multiplicador” da taxa SELIC sobre todos os produtos financeiros é direta, mas a discussão da taxa encobre a verdadeira natureza de uma dívida.

A verdade verdadeira de uma dívida é esta: eu juro, você credita? A dinâmica de uma dívida é de uma confiança medida; se acredito no que ele jura, então, credito. Mas quando a aposta é alta a qualidade muda. Trocando em miúdos posso afirmar que você tem uma dívida quando deve R$ 23,89 na padaria, R$ 57,33 no supermercado ou R$ 542,61 na concessionária. Mas, quando você deve alguns bilhões de dólares, o problema não é mais seu, mas sim de quem te emprestou. Não foi à toa a criação do FMI ou do Clube de Paris. Os credores estavam na encruzilhada. Ou tomavam conta ou perdiam a conta.

Todo credor sabe que tem pouco poder sobre o tomador do empréstimo. O credor vale-se de garantias para assegurar a palavra do futuro devedor, mas, no mais das vezes, é a própria palavra que garante de fato a transação. E o credor, ciente disso, impõe os termos adequados. A dívida é uma espécie de jogo de sentimentos morais.

Na verdade, porém, a palavra final é do devedor, pois uma vez tomado o recurso a ponta positiva é dele. O caso Argentino veio retomar esta faceta do jogo, na qual o devedor é muito mais forte do que o credor gostaria que fosse. De Buenos Aires veio o tapa: devo, não nego, pago apenas 25%. É pegar ou largar. O mundo protestou, os aposentados italianos protestaram, mas no fim do dia 76% da dívida foi renegociada.
Não sugiro que façamos isso por um motivo simples: nós não estamos no fundo do poço como estava a Argentina. Lembrem que estar no fundo é moralmente “positivo”, conferindo a dourada capa da piedade ao devedor. O que eles fizeram lá talvez não funcione aqui, e ainda seremos desacreditados no mercado mundial. Mas fica a lição. Quem deve tem força, muita força. Muito mais dos que acreditam por aí...

Para meio entendedor, boa palavra basta!

Economia é fascinante. Quanta autoridade, pompa e circunstância repousam num economista. Eu escolhi ser economista por isso mesmo. Certa vez estava num boteco chamado Empanadas, na Vila Madalena, nos idos dos meus 17 anos, quando vi estampada na parede uma matéria ampliada e emoldurada sobre o pé-sujo. O texto, simpático ao boteco, trazia uma foto de um sujeito sentado num banco com as pernas cruzadas, a legenda dizia “Fulano de Tal, economista, bebe tranqüilamente sua cerveja no fim de tarde”. Na verdade, não era bem este o texto da legenda, mas fui tomado de tamanha admiração pela cena que lá mesmo decidi meu futuro.

Só hoje entendo o fascínio que se apoderou da minha razão. O economista, mais que qualquer outro cientista ou acadêmico, é envolto por uma capa de magia. Ainda mais num país tão pouco ortodoxo como o Brasil. Sou de uma geração que viu, quando criança, o Plano Cruzado e o Plano Verão e, adolescente, os Planos Collor e Real. Quando tocava a chamada do Plantão da Rede Globo na tevê, era batata: ou alguém importante morreu, ou era o governo anunciando uma nova moeda ou alguma âncora cambial. Lembro até hoje o clima na casa do meu avô quando, em 94, o Real nasceu.

O economista sabe deste poder. E abusa. Uma coisa é dizer “não obrigado, já comi muita moqueca”, outra é dizer que “a utilidade marginal deste bem é zero, mas eu aceito um cafezinho”. Porém, toda a Economia está suspensa neste linguajar tecnicista não por maldade ou perversão do economista, mas sim por uma necessidade prática do ofício. Imagine se um economista vira para o presidente e diz: “é melhor parar com esse papo de crescimento que a inflação vai estourar a boca do balão”. Impossível.

Mas, como toda maçonaria que se preze, há os do “bem” e os “mal intencionados porque eu quero ganhar uma grana ou puxar o saco de alguém poderoso”. Dos feitiços mais poderosos que um economista dispõe estão as siglas, os anglicismos e os porcentuais. “Meu amigo, espera mais um pouco para comprar sua TV no crediário. Estamos saindo 0,65% do core do Inflation Target, e se isto acontecer, teremos que subir a SELIC”. E, como por magia, o interlocutor fica paralisado com a explicação. Fica a máxima: para meio entendedor, boa palavra basta.

Quem abusa do artifício, no entanto, não são os bruxos de mercado, mas os aprendizes de feiticeiro da mídia. Francamente, colocar a cotação das bolsas européias e asiáticas em pleno Jornal Nacional é um pouco de exagero. Só cria pânico e perplexidade. Num jornal econômico, onde esta informação é realmente relevante, tudo bem, mas o que agrega a um brasileiro comum tal informação? Ainda acho que os jornais fazem isso para conferir estilo a informação. É chique e contemporânea a paranóia da Bloomberg, com seus indicies indigestos.
Fica o aviso, e quem avisa amigo é: meio entendedores do mundo, uni-vos! Quem acredita em tudo que ouve, acaba não entendo nada do que deve. E quem diz o que não sabe, fingindo que sabe, acaba dizendo o que não deve. Ok?

O Plano do Real

Que realidade é esta que tomou conta do país? Que sinistro joguete fizemos com o Deus das Coisas Escassas? Vendemos o nosso futuro por tão pouco? Eu tenho a incomoda sensação que caímos numa trágica armadilha invocada ainda no governo Itamar: o Plano Real. Esta armadilha consiste basicamente do fetiche ao próprio plano, num jogo de espelhos endiabrado. A pergunta que eu faço é essa: qual é o plano do Real, qual é sua força motora, e em que termos se mantêm?

O Real foi implementado com o objetivo primário de estabilização de preços. “Morte ao dragão!”, era o lema entoado como mantra a partir de Brasília. O Plano, uma elegante rasteira no componente inercial da inflação e nos indexadores herdados de planos frustrados, foi executado de forma magistral, passando quase sem dor pela sociedade brasileira. Qual outro país no mundo poderia operar, num mesmo dia, com três moedas diferentes em circulação (Cruzeiro Novo, URV e Real), sem entrar em convulsão monetária?

Uma vez implementado, o Real precisava de uma âncora, que prontamente foi fornecida: o câmbio. Mas o que é uma âncora? Estamos ancorando o que? E porque é tão importante a estabilização de preços? Vou começar pela última. A estabilização de preços é importante pois a moeda é fiduciária numa economia moderna, ou seja, uma moeda que perde seu poder de realizar-se em mercadoria mensalmente, em taxas muito altas, denúncia a fragilidade do estado que lastreia essa própria moeda. Penaliza o pobre que não consegue se defender do dragão, que deveria ser combatido, numa sociedade civilizada, pelo próprio estado que, no nosso caso, perdeu a credibilidade, deixando o miserável ao deus-dará.

Estamos ancorando o que? Respondo: um estado que faz água sem parar e está a deriva, pois não encontra consistência interna nas suas contas, devido as contradições da sua própria formação. A Constituição atrapalha (engessando o orçamento), a Previdência sufoca (em parte por sua má administração, em parte pelo antagonismo público-privado), a política desanda (por nossa pobre tradição democrática e das nossas gentilezas tradicionais); entre tantos motivos, uns concretos, outros quase metafísicos.

Agora a primeira. O que é uma âncora? Uma âncora, meu caro Watson, ancora. Simples assim. Mas, ancora o quê? E por quê? A economia capitalista é um turbilhão. Todo dia a todo segundo, vende-se, compra-se, empresta-se, revende-se, leiloa-se; enfim, um sem fim de transações acontecem simultaneamente, simulando valores de uso (ou de trabalho) em moeda. E esta moeda, como disse, é o próprio Estado garantindo a validade da transação. Já que na inflação a moeda perde seu papel, fica a cargo da âncora fixar um ponto neste mar bravio, o qual todos os agentes econômicos (empresários, trabalhadores, bancos...) têm como Norte. Não importa o que acontecer, o estado garante que ali, naquele ponto, haverá estabilidade. Com isso espera que o selvagem oceano se comporte ao estabelecido ponto estacionário.

Só que estabilidade custa caro para quem está indo a pique. O estado gastou fábulas para manter o câmbio estável, captando dólar com uma taxa suicida de juros, através de aplicações de curto prazo de “investidores” “estrangeiros”. Chegamos até a deselegância de estabelecer uma banda diagonal endógena da taxa de câmbio, pura bruxaria econômica, na tentativa desesperada de manter o porto seguro dolarizado.

Com a flexibilização do câmbio outra âncora se fez necessária. E esta é fantástica, digna de menção honrosa. Agora a âncora que dá credibilidade a moeda é o próprio índice da variação da mesma. Ou seja, a inflação é guardiã de si própria através de um índice futuro desejado dela; o famigerado inflation target.

Mas, o que seria de uma âncora sem uma forte corrente prendendo-a ao barco? Em ambos os casos nos valemos da poderosa corrente da taxa de juros. O Real está desvalorizando? Aumenta os juros para entrar dólar! Estamos saindo do core da meta de inflação? Manda o BC reprimir o consumo com os juros reais mais altos do planeta! E do que são feitos os elos desta épica corrente? Da nossa infindável dívida pública. Estamos tirando metal do barco para forjar a rigidez necessária a corrente, e, com isso, deixamos o casco, já furado, ainda mais frágil.

Juros são coisa futura. Presente mesmo é o Estado Brasileiro. Porém, se o barco não pára de fazer água, abrimos mão de uma consistente estabilidade por um futuro remediado. O pior é que um Estado endividado nem sempre é ruim (quem não o for, que atire a primeira pedra), ruim mesmo é endividar-se por desespero. O Brasil não investe sua dívida, ele aplica.
E este é o bizarro Plano do Real. Um plano estéril de futuro, justamente porque o futuro esta acorrentando (e acorrentado) um barco que não tem prumo nem rumo. FHC fez o milagre, mostrou o santo e deixou a penitência para Lula, que navega desacordado num barco fantasma. E la nave va.