O Homem Vertical - A política por dentro.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Clodovil no comercial da suvinil (nosso deputado!)

Os becos de Gotham (comentário - Carta Capital)

O texto foi alterado várias vezes antes de ser publicado. O título orginal era: Um índio, uma estátua e uma esfinge.

As duas outras versões que não foram pro prelo vou publicar aqui em breve.

Podem comentar o artigo que não fico bravo não...

Abraços
André Perfeito

Os becos de Gotham (artigo - Carta Capital)

Meti-me numa encrenca das boas. Dessas que só acreditava existir em filmes de detetive, ou em conspirações internacionais. Uma breve introdução. Lembram do Roberto? O Jefferson? Então. Quando estourou a crise chamada de mensalão fiquei fascinado pela figura do parlamentar. E quem não ficou? O Brasil inteiro congelou na frente da TV esperando algo que ninguém sabia o que era. Alguns esperavam a verdade, outros mais mentiras; e eu não esperava nada, mas sentia falta de tudo. Roberto Jefferson surgiu para mim como uma esfinge: decifra-me, ou devoro-te! Sussurrou.

Era um apelo irresistível, não me controlei. Entrei na Internet, acessei o google e digitei: Endereço, Roberto, Jefferson, Brasília. O endereço pipocou na tela. Abri o Word e escrevi: deputado, meu nome é André Perfeito, o senhor quer falar muito sobre a política brasileira e eu quero ouvir muito sobre isso, gostaria de gravar uma entrevista sobre suas denúncias . Na época existia aquela onda sobre as aulas de canto que ele freqëntava. Então baixei algumas óperas na internet e na faixa do Poderoso Chefão gravei minha voz por cima, dizendo: deputado, meu nome é André Perfeito...

No dia seguinte mandei via Sedex o malote ao endereço mencionado. Não tinha muitas esperanças de respostas, mas minha obsessão com a crise era tanta que nem me importei. Mas o impensado aconteceu, recebi um e-mail do deputado mostrando interesse no projeto. Não pestanejei, me mandei para Brasília com a Marina Veiga, colega de faculdade, com pouco dinheiro e uma câmera digital emprestada. Desde então venho gravando entrevistas com políticos sobre o seguinte tema: como se faz política no Brasil? Nestes tempos de internet banda larga e permuta de publicidade, resolvi montar o blog do projeto: www.ohomemvertical.blogspot.com

Só que quanto mais eu sei, quanto mais eu pergunto sempre me falta mais. Os depoimentos até então me levam cada vez mais para um beco sem saída, e no final do beco mais uma saída para outro beco sem saída. Vou expor aqui algumas passagens na esperança de conseguir alguma resposta.

Entro no escritório de ACM. Lá pelas tantas da entrevista ele dispara: “... que não poderia haver escola melhor que o Senado da República. Porque nós temos bons e maus, mas o que se aprende até com os maus é muito bom.”. Congelei. O que ele queria dizer com isso? Que política é uma atividade amoral? Mais adiante ele aponta uma saída: “... a política é exercida pelos maus políticos, mas a política é uma escola fantástica para a vida.”.

E eu achando que o Roberto era misterioso.

Para conseguir entender o que o senador havia dito fiz um exercício radical. Primeiro tentei esquecer tudo o que havia aprendido na minha escola católica. Dificilmente isso iria me ajudar aqui. Segundo, por mais chocante que fossem as afirmações teria que fugir de interpretações moralistas. Achar que ACM era um mau político só me faria perder o real significado das suas palavras. Gosto de pensar essas entrevistas que faço como um documentário sobre os vilões de Gotham City. Os vilões sempre são mais complexos e sinceros que os heróis. Os heróis são de uma simplicidade rasa, e no mais das vezes seu heroísmo é puro ressentimento. Os vilões não! Suas vidas, geralmente sofridas, os levaram a conclusões muito particulares do que é estar vivo, e agem sem pudores segundo suas convicções. Quero investigar a psique destes, sem julgar seus atos. Quero entendê-los. Só assim posso me livrar da maldição da esfinge.

A dúvida não acaba: como se faz política no Brasil?

Como bem disse Roberto: “Não sou ator. Não venho aqui desempenhar o papel do herói, porque não sou. Não sou melhor do que nenhuma das senhoras. Não sou melhor do que nenhum dos senhores.”. E Raul Seixas emenda: “Eu não sou besta pra tirar onda de herói sou vacinado...”.

Reescrevo o que sinto da fala de ACM: Meu filho, viver é difícil, cheio de armadilhas e ilusões. A vida é um campo de batalha onde somente os mais fortes e aptos podem sobreviver. Um bom político, idealista ou romântico é presa fácil nessa selva tropical. No entanto não há maldade nisso. É natural essa seleção e temos que aceitar com naturalidade os desígnios da vida. A vida é assim, ponto. E não é só a política que age dessa forma, qualquer área da sua vida é assim também. No amor, na empresa, no clube... Aceite isso.

Talvez o pior seja que eu já soubesse disso.

Olho a sala ao redor, e fico petrificado. Todas as paredes tinham foto de Luis Eduardo. Numa delas, ao lado de um estante de livros, havia um busto de bronze do filho. Tive compaixão pelo senador e acredito que entendi suas palavras.

A política entristece. Todos os políticos que entrevistei são pessoas brutalizadas. Medem tudo, pensam tudo, sentem muito pouco. O Roberto Jefferson é prova disso. Na entrevista no Roda Viva, alguém perguntou: sua vida mudou depois do escândalo? Ele respondeu; perdi a espontaneidade. Não quero dizer que são insensíveis, não é isso. Seria muito simples se fossem simplesmente insensíveis. São tão humanos quanto eu ou você. Porém, como o Roberto diz – sou igual ao índio: peito aberto, faca nos dentes, machadinha na mão. Se caio, caio em pé!

Quase não conheço o Roberto, e tudo por culpa do Lupicínio Rodrigues. Na véspera da entrevista marcada um armário cai na cara do deputado e deixou o olho dele roxo. Como a vida não carece de ironia o motivo do acidente foi a música Nervos de Aço, cujo disco estava no armário. A secretária tentou desmarcar a entrevista mas insisti. Já estava em Brasília, mais precisamente no hall de entrada do apartamento dele. Acabou me recebendo. Quando entrei meu coração quase sai pela boca, encontro o deputado sentado no sofá com um saco enorme de gelo no rosto. Pensei: tô frito. Realmente era impossível gravar a entrevista com o olho daquele jeito. Ele sentia muita dor, mas mesmo assim batemos um papo de mais de uma hora.

Fui ao escritório dele no Rio de Janeiro. Era um prédio no centro, velho, desses que parecem escritório de detetive particular. Realmente estava em Gotham City. Ao entrar, o que eu vejo perto da porta para meu total espanto? A estatueta de um índio! E era um índio que me lembrava àqueles de tabacaria americana.

Logo no começo me disse: “... deixa falar uma coisa a você André, há muitas concessões que são feitas na política. Caixa 2 é uma concessão; é irregular, é ilegal. Não tem perdão, é irregular. Mas ela não é tão grave, o financiamento de campanha não é tão grave no caixa 2, porque o caixa 2 financia igreja, o caixa 2 financia evento esportivo, o caixa 2 financia o carnaval, as festas; tudo isso sai por fora. São recursos não declarados.”.

Então quer dizer que corruptos somos nós? Acho que ele quis dizer exatamente isso. Claro que isso faz parte da sua retórica de defesa, mas como retórica o argumento só funciona porque é muito próximo da verdade. O que ele diz tem poder porque é muito verdadeiro. É verdade sim que neste país se pratica caixa 2 indiscriminadamente por toda a sociedade. Ou por informalidade menor (a mercearia da esquina), e até em palácios neoclássicos de consumo de luxo.

Cabe dizer que nesta trama há um conflito claro: Roberto Jefferson versus José Dirceu. Fui atrás de Dirceu para saber o que este pensava daquele. O primeiro havia declarado que aquele despertava nele os instintos mais primitivos. Acreditava que Dirceu deveria sentir algo do mesmo quilate; afinal de contas Jefferson o havia arrastado para uma crise que o expulsou da vida política institucional do país até seu septuagésimo aniversário.

O que ele achava de Roberto? Ele me disse: “não acho nada, não sei porque vocês ainda falam dele.”. Mas como assim?, pensei. Nem uma gota de raiva, nem um pouco de ódio? O semblante de Dirceu estava sereno, repito. Não sei por que ele respondeu isso, ainda não decifrei. Deixo este enigma para os senhores da platéia. Só consigo pensar que a política brutaliza, entristece.

Fica a dúvida. Será que sempre fui atrás dos vilões errados? Será a esfinge está em outro lugar? Volto ao beco sem saída. Chove. Corro entre as latas de lixo e os mendigos espalhados. Atrás de mim Coringa, Pingüim, Charada e a Mulher Gato dão risadas cada vez mais altas. Vejo no fim do beco uma pessoa. Eu paro. Olho melhor até a figura focar. Eu acho que é o Sérgio Buarque de Holanda. Isso! É ele! Corro freneticamente em sua direção só pensando numa coisa; como se faz política no Brasil?