O Homem Vertical - A política por dentro.

terça-feira, novembro 29, 2005

Política, Kombi e quatro caras armados (Parte 2)

Um comitê político é basicamente santinho e gente. Santinho tem uma dinâmica engraçada; chegam organizados em pilhas industriais e aos poucos vão tomando vida própria. Eles se rebelam contra aquela ordem mecânica. Vão se desgarrando do monte e seguindo pela vida. Acredita que já encontrei não um, mas um monte deles, no congelador da geladeira? Fui pegar uma cerveja e pá! Lá estavam eles. Depois de algumas semanas de campanha é impossível manter um comitê organizado, ele toma vida própria.

Outra parte do comitê é gente. Sempre tive o péssimo hábito de observar pessoas. Não sei se é certo ou errado, mas me parece uma mania que está no rol das manias repreendidas pelas mães, do tipo: “tira o dedo do nariz”, ou “não responde que é feio”. Fazer o que? Um vício a mais, um vício a menos não vai me matar. Pois bem, observava aquele mundaréu de gente que entrava e saía sem parar do comitê.

A situação era propícia para cativar este velho hábito. Uma campanha política serve como uma espécie de azul de metileno (lembra das aulas de biologia?), uma espécie de contraste onde as relações sociais são ressaltadas com uma coloração extremamente viva. Já disse que existiam vários grupos de pessoas num comitê: quem panfleta, quem organiza, quem dirige Kombi e quem observa as pessoas. O comitê era uma espécie de micro cosmos social, dava para ver nitidamente as contradições entre ricos e pobres, preguiçosos e trabalhadores, homens e mulheres, vidas e vidas.

Para ilustrar vou comentar um aspecto deste enorme teatro que foi a campanha de 2004.

Política, Kombi e quatro caras armados (Parte 1)

O pouco dinheiro que eu (não) tinha foi de um trabalho que fiz na última campanha municipal para vereador. Fui chamado para organizar a comunicação do comitê de um candidato do PT, na região de Perdizes, bem perto da PUC. Eu estudo lá e isso facilitaria muito as “coisas”. Primeiro não me atrapalharia com os estudos, coisa que não fazia faz um bom tempo. Segundo, eu pensava, a proximidade com a PUC tornaria mais simples a campanha na Pontifícia. E, terceiro, economizaria essa coisa chamada dinheiro pois não teria que ficar me deslocando de lá pra cá.

Mas tinha muito mais coisas que eu nem sabia. Você já participou de alguma campanha política? Não? Meu amigo, eu quase morri. Sério. No duro. Quase morro numa véspera de eleição, mas deixo este causo pra depois.

Pois bem, campanha política é de enlouquecer. Não sei se as outras pessoas passaram por isso, mas eu passei um sufoco terrível. Uma campanha política é uma das tarefas mais estressantes que já vi. Existe um lado pragmático da campanha política que me parece muito próximo do esforço de venda de uma concessionária num fim de semana de “queima de estoque”. É muito parecido mesmo. Tem bandeirinha, folder, panfleto, carro de som, slogans malucos e o principal: metas. Numa campanha política existem muitas metas.

Deixe-me explicar para quem nunca entrou num comitê político, durante uma campanha, como é que funciona.

Um comitê político é geralmente uma casa alugada, de preferência um sobrado, em plena área residencial. O comitê é o centro nervoso de todas as ações durante uma campanha. É lá que fica o estoque de material de campanha, o pessoal da logística, o pessoal que panfleta, o pessoal que coordena, os motoristas das Kombis, a faxineira, a secretária e os correligionários. Imagine uma casa, com pouco móveis, lotada de material de campanha. Pilhas de santinhos na cozinha, centenas de faixas empilhadas na sala de jantar, placas para fixação na porta de garagem amontoadas em baixo de escada; além disso é no comitê que a gente organiza festas, palestras e encontros entre as pessoas do bairro que apóiam o candidato. A música do candidato e da Marta Suplicy tocavam sem parar (Agora é Marta, Marta... às vezes eu sinto frio e medo de madrugada) tocavam sem parar.

Além disso um comitê é freqüentado por todos os malucos do bairro. Tinha uma senhora, no prédio da frente, que era muito sozinha. Não entendi direito, parece que o marido tinha largado ela para casar com outra e seu filho tinha síndrome de down, precisava de cuidados constantes. Dava pra ver a janela do apartamento dela da varanda do comitê. Ela colocou na janela três anões de jardim. Dois ficavam encostados num canto, e outro, de castigo, ficava no outro. Achei estranho mas não perguntei nada. Afinal o que há para explicar quando alguém coloca anões de jardim num apartamento, perto da janela e virados para a rua? Um dia ela explicou. Os dois que ficavam juntos era ela e o filho, e o outro era o ex-marido, que estava longe. Pode parecer besta, mas depois que ouvi aquela explicação fiquei extremamente emocionado. A vida insiste, pensei.
Ela ficava lá no comitê; levava bolo e ficava conversando com as pessoas na varanda. Ficava brava quando a gente atrasava. Eu não dava muita bola, mas nunca proibi que ela entrasse.

Maio menos...

Tudo andava morno naqueles dias de maio. Estava frustrado pois uma oportunidade de emprego não havia se concretizado. Oportunidade... Que palavra safada é esta longa palavra. “Senhor, temos uma oportunidade de trabalho na sua área de atuação.” Que texto horrível! Gostaria de conhecer os redatores de tele-marketing. O que será que eles lêem? Gibi? Marrie Claire? Guia de emprego do Estadão? Não sei. Só sei que tinha perdido mais uma oportunidade.

Normal. Nunca fui muito oportunista mesmo. Não que não quisesse aproveitar as tais oportunidades, nem mesmo que não as aproveitasse aqui e acolá, mas aquela me parece que perdi. Era um emprego bom; não era na minha “área de atuação”, mas era bom. Mas o que é uma área de atuação nestes tempos que vivemos? Basicamente área de atuação é onde você atua, com maior ou menor competência que um metalúrgico atua na presidência.

Não tem nada não, meu aniversário estava chegando. Fazia planos para uma festa bacana: queijo e vinho. As duas últimas que fiz foram muito boas. Lembro de terminar uma delas caído no chão, com minha quase-namorada (depois eu explico), e gritando para os poucos que ainda estavam lá: c´est finiiiiiiiiiii!!!!!!!!!!!!

Queria fazer essa festa, mas o dinheiro estava curto. Fora isso também não andava muito católico. Uma sociedade que havia planejado no início do ano havia dado errado, e o pior: na expectativa do negócio decolar entrei feio no cheque especial. O pior mesmo, porém, era estar sem planos para o resto do ano. Minha vida sempre foi muito assim: sem planos para o resto do ano. Não que não tivesse muitos, tinha inúmeros, mas mais eu que não sou muito oportunista.

Pois bem, meu caro desconhecido, estava sem planos, sem ânimo e endividado. Normal.